Os aferentes nociceptivos primários, representados pelas fibras A-d e C, são fibras sensoriais de elevado limiar, projetadas da periferia para o corno dorsal da medula onde ativam grande número de neurônios internunciais de segunda ordem e neurônios de projeção da medula, alguns dos quais são ativados exclusivamente por estímulos nóxicos (nociceptivos específicos) e outros por estímulos de baixa intensidade (neurônios de larga faixa dinâmica ou multirreceptivos). As fibras C não-mielinizadas terminam nas lâminas I, II e V do corno dorsal, enquanto as fibras mielinizadas A-d terminam na lâminas I e II e também penetram mais profundamente nas lâminas V e X (Figura 1)1.
Sabe-se atualmente que a medula, que tradicionalmente foi considerada como simples estação intermediária para os impulsos sensoriais, é formada por complexa estrutura contendo grande variedade neuronal e arranjos sinápticos, bem como considerável número de neurotransmissores e neuropeptídios. A medula permite não somente a recepção e transmissão dos impulsos sensoriais como também um elevado grau de modulação central, envolvendo abstração local, integração, seleção e dispersão apropriada dos impulsos sensoriais. Esta complexa forma de processamento medular é ativada através de fenômenos centrais de convergência e somação, bem como através de influências excitatórias e inibitórias, envolvendo neuronais periféricas, interneurônios locais, vias neuronais do tronco encefálico e supraespinhais e córtex cerebral. Após sofrer as influências de modulação do corno dorsal alguns impulsos nociceptivos passam diretamente ou através de interneurônios para as células do corno anterior e anterolateral onde estimulam neurônios somatomotores e pré-ganglionares simpáticos, provocando resposta nociceptiva segmentar autonômica reflexa. Outros impulsos nociceptivos são transmitidos para neurônios que fazem sinapse com neurônios do trato espinotalâmico e outros sistemas ascendentes que então convergem para o tronco encefálico e estruturas supraespinhais onde promovem respostas reflexas suprasegmentares e corticais.
Diversos neurotransmissores, aminoácidos e neuropeptídios são liberados pelos terminais dos aferentes primários no corno dorsal da medula, onde exercem importante papel na modulação da transmissão nociceptiva. Entre tais substâncias destacam-se os aminoácidos excitatórios glutamato e aspartato e diversos outros neurotransmissores e neuropeptídios, incluindo as taquicininas [substância P (SP), neurocinina A (NKA) e neurocinina B (NKB)], peptídeo geneticamente relacionado com a calcitonina (Calcitonin Gene-Related Peptídeo-CGRP), colecistocinina (CCK), somatostatina, óxido nítrico (NO), prostaglandinas (PG), galanina, encefalinas e endorfinas (Figura 2) 3-6. Um dos mecanismos centrais de grande importância na fisiopatologia da dor é o da transmissão facilitada no corno dorsal e consequentemente para as vias nociceptivas mais altas. Mendell (1996) 7 demonstrou que os neurônios de Larga Faixa Dinâmica do corno dorsal da medula espinhal exibem uma potenciação dependente da frequência de suas respostas à repetida estimulação das fibras aferentes C, fenômeno referido como de facilitação central.
Assim, a somação temporal lenta de estímulos induzidos por aferente nociceptivo C leva a uma sensibilização central dos neurônios nociceptivos do corno dorsal que se manifesta por uma redução do limiar de estimulação, com consequente elevação na frequência de descargas espontâneas destes neurônios no recrutamento de outros circuitos sinápticos com expansão de seu campo receptivo e em exagerada resposta a estímulos somatosensoriais, mecânicos e térmicos. A somação temporal de potenciais sinápticos lentos promove alteração nos sistemas de segundo mensageiro e fosforilação de receptores. Este mecanismo neuronal pode se manifestar no paciente como alodínia e hiperalgesia.
Este fenômeno de facilitação central se deve à interação de dois mediadores liberados pelos terminais da fibra C na medula, principalmente o glutamato, que age nos receptores NMDA (NMetil-D-Aspartato) e a substância P que age nos receptores NK-1 de neurocinina. O bloqueio dos potenciais lentos na medula, seja através de antagonistas do receptor NMDA ou de antagonistas de neurocinina, previne o estabelecimento da sensibilização central.
Revista Brasileira de Anestesiologia 241
Vol. 48, Nº 3, Maio - Junho, 1998
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